sábado, 2 de fevereiro de 2019

As crianças de agora não veem nada de jeito? Têm a certeza? (Parte 3)

Saudações! Chegamos, enfim, à última parte deste atipicamente grande post (podem carregar aqui para a parte 2 e aqui para a parte 1)! Portanto…iupi? Viva? Não sei, depende da perspetiva.

Bom, mas vamos diretos ao assunto. Como se devem lembrar, esta última parte almejava referir ainda outra perspetiva a partir da qual é questionável a opinião que tanto foi esmiuçada nas partes 1 e 2: a tal opinião de que as crianças de agora não veem nada de jeito. Não há grande novidade até agora, já trouxe à baila essa opinião muitas vezes para evitar confusões. Mas se nas partes 1 e 2 questionei essa opinião através de boas opções que as crianças de agora têm e/ou das formas variadas que essas crianças têm de aceder a muitos desenhos animados, nesta parte 3 vou utilizar uma, digamos, “ferramenta” completamente diferente: a abordagem à forma como vários humanos pensam no passado em si. Neste sentido, pergunto…e se a forma como vemos o passado fosse inesperadamente condicionada por uns "óculos" que distorcem um pouco a forma como se vê o referido passado?

Imagino que já tenham ouvido algo semelhante. Bem, eu acredito bastante nessa perspetiva, embora não de maneira extremista. E embora as provas que apoiam esta perspetiva sejam mais para o circunstancial e não propriamente provas irrefutáveis obtidas em laboratório ou semelhante, acho que é muito provável que tenha muito de verdade. Por exemplo, já ouviram dizer que, geralmente, só passam para as gerações vindouras a melhor parte da cultura e que o menos bom é deixado para trás? Claro que não é assim tão linear, mas sei lá…quando se diz que as crianças de antigamente só viam programas bons porque existiam o Dragon Ball ou Os Cavaleiros do Zodíaco (ah, como eu gostava…aquelas armaduras eram tão apelativas!), é um bocado obrigatório perguntar: mas era só isso que existia? Acho que é claro que não. Havia mais desenhos animados. Tudo bem que não havia tantos canais à disposição e podia haver mais programas com kids in mind, mas que havia outras opções além dessas duas, havia. Mas seriam opções tão boas como os dos superguerreiros ou o dos cavaleiros? Discutível…mas provavelmente não. E é muito provável que, por não serem tão bons, não tenham tido tão boa receção por parte das crianças. O que também explica parcialmente a razão pela qual esses têm poucas ou nenhumas reposições na TV.

E não, este debate não é novo; já há um bom tempo que se fala do quão fácil é cair na “armadilha” de pensar que a arte atual é bem pior do que a arte de outros tempos. É verdade que por vezes parece ser óbvio, mas se virmos que, de facto, a maioria do que nos chega de décadas anteriores é o melhor que essa década tem para dar e que, vivendo na década atual, estamos expostos ao bom e ao mau atual, faz sentido pensar que nem tudo o que parece óbvio é. Como Nuno Markl observou com alguma graça quando lhe disseram que crescer com a música dos anos 90 devia ser fantástico, os anos 90 tiveram os Nirvana mas também tiveram músicas como I’m Blue e Barbie Girl (que, atenção, são músicas de que eu até gosto…e podem-se talvez considerar clássicos do seu tempo, mas não são conhecidas por serem músicas requintadas).

- Arbustos? Que tem isso a ver com o post?
- Que foi? O Sr. Markl disse que não ofendem ninguém! ;)

Portanto, lá está. Da mesma forma que se pode não apreciar certos programas atuais quando se quer considerar as décadas anteriores como muito melhores, não se pode ter só em conta pokemons ou digimons ao julgar essas décadas; também é preciso colocar na balança os outros desenhos animados que foram aborrecidos e/ou nada memoráveis. E aqui, eu não posso dar nomes, porque justamente por esses programas não serem memoráveis, eu não me lembro deles. E certamente que não posso usar nenhum (ou quase nenhum) exemplo aqui do blog, porque geralmente ele só fala de programas de que eu gostei. Mas enfim…acho que toda esta ideia de como é fácil ser enganado pela nostalgia é uma ideia bastante razoável. Ou, pelo menos, com argumentos de alguma lógica.
E já que voltou a palavra “nostalgia”…convém lembrar também que a nostalgia é praticamente um sentimento. E, como sentimento agradável que é – pelo menos no geral –, sentir nostalgia dos programas de outros tempos é uma experiência mais emocional do que racional. O que torna mais provável que achar que as crianças de agora não veem nada de jeito seja um pensamento mais subjetivo do que objetivo. E, acho, convém não cair nessa rasteira, digamos assim.


- Alguém falou em rasteira?
- Tecnicamente,  não falei, escrevi...


Ah, e…se acreditarem num link que eu cá sei(podem não acreditar, pois este site não é exatamente aquele que os professores recomendam aos alunos…embora também tenha informações corretas), podem constatar como as memórias não são um fenómeno são isento e/ ou imparcial como poderão eventualmente pensar. O link: http://en.wikipedia.org/wiki/Autobiographical_memory#Positivity_effect

Mas atenção, muita atenção: toda esta enchente de palavras não significa que alguém que defenda a opinião tão esmiuçada neste post de 3 partes esteja exatamente errado. Até porque, bem, a qualidade de desenhos animados está longe de ser algo mensurável. Quer dizer, não há grandes provas de laboratório que se possam arranjar para provar algo assim. Nem uma escala. Nem estudos de 200 páginas. Além disso, se uma pessoa que tiver a referida opinião e souber defendê-la como deve ser e/ou sem ódio cego, aplaudo metaforicamente esse feito. Mas, precisamente porque essa crítica não me parece muito informada, escrevi tudo isto. Tenho a sensação de que essa crítica, apesar de poder hipoteticamente ser feita com algum dolo, nasce bastante de uma grande falta de conhecimento. E, se realmente este longo post ajudar algumas pessoas a ter menos (ou nenhuma) pena das crianças de agora por não verem nada de jeito, acho que isso é bom. Posso estar enganado, mas acho que é bom.

E…e pronto! Suponho que está concluído este longo texto (longo para os padrões deste blog, bem entendido…) a defender esta minha teoria. Que aproveito para parafrasear: não vale mesmo a pena ter pena das crianças de agora por não verem nada de jeito. Nem acho que isso tenha grande reflexão na realidade.

E enfim, é isto. Se tiver acontecido aquilo que eu desconfiava que era um risco – ou seja, se eu tiver mexido negativamente nos sentimentos de alguém – lamento e espero que não me odeiem muito. :P Não acho que tenha cometido um grande crime, mas também não tenho por hobby andar a aborrecer pessoas que nem conheço pessoalmente.

Último, mas não menos importante: tenham um bom dia!