quinta-feira, 10 de maio de 2018

Especial: As crianças de agora não veem nada de jeito? Têm a certeza? (Parte 1)

Boa noite a todos.


Hoje gostava de expressar a minha opinião sobre um assunto mais delicado do que praticamente todos os assuntos de que já falámos neste blog. Este post, portanto, vai ter um tom mais sério e, portanto, vai ser menos lúdico. Não dramatizemos, mas posso dizer sem muita margem para errar que este post poderá mexer com alguns sentimentos (não vou dizer "ofender"; essa palavra tem sido tão usada que já temos de procurar a garantia para provar ao vendedor que só a comprámos há pouco tempo...XD), seja para o bem ou para o mal. O que é natural, porque é um post que anda um pouco no terreno da nostalgia, e esse sentimento tem muita força em nós. Como quem diz, temos muito carinho por aquilo que nos dá nostalgia. E falar sobre pessoas/coisas pelas quais se tem muito carinho é como andar na corda bamba sem rede: pode correr tudo bem, mas um pequeno erro e é uma desgraça. Note-se que não vou falar de nenhum tema tão sensível como os direitos do ser humano ou se se deve exercer o direito de voto ou não. Não, vou só defender uma modesta opinião que tenho. Atenção que não pretendo fazer uma tese de mestrado nem almejo que este post seja uma resposta definitiva a uma questão em que é difícil concordar! Como dei a entender (espero), queria simplesmente expressar e defender uma opinião que tenho, que consiste no seguinte:

É escusado ter pena das crianças de agora por não terem programas bons para ver.

Exatamente; é esta teoria que gostava de defender aqui. Notem que não vou exatamente tentar definir "as crianças de agora"; vou simplesmente contar com os últimos 7-8 anos como sendo o "agora". Afinal, foi algures por essas alturas que começou a década de 2010. Além disso, já ouço (e leio) a tal crítica de que as crianças de agora não veem nada de jeito há anos. Portanto, o que está escrito neste post também se aplica a esses anos, não necessariamente só a 2018.


Abusive generalization is abusive. DING!

Há umas quantas razões pelas quais eu acho que não faz grande sentido ter pena das crianças de agora por não verem nada de jeito. Uma (e a mais importante) é que "ter pena" de crianças por não terem grandes desenhos animados para ver parece uma reação excessiva. A pena, acho eu, deve guardar-se para situações muito mais graves, relacionadas com a saúde, com a família, com o mundo que rodeia as crianças. Os programas que podem ver? Não me parece que deva ser motivador de "pena". Outra razão é que ter pena pelos programas que as crianças veem agora deixa implícito um insulto. Um insulto aos programas de agora, sim. Lembram-se quando se disse que Portugal só ganhou o Euro porque jogou contra equipas fracas exceto na final? Esse debate/discussão deu pano para mangas, mas não ouvi quase ninguém a apontar algo que, a meu ver, era bastante visível: dizer isto é uma ofensa, por exemplo, à Croácia que jogou tão bem e ganhou à forte Espanha. E uma ofensa ao País de Gales, que teve um dos melhores ataques da prova...aliás, desconfio que um croata ou galês que ouvisse essa declaração ficaria no mínimo, desagradado. Do género..."É só isso que eu valho para vocês? É assim que vocês me tratam?  Uma equipa fraca?". E isso dói sempre um bocadinho. Aqui é igual. Ter pena das crianças de agora pelos programas que veem é ofensivo para os programas de agora. Não literalmente, porque os programas até ver não têm sentimentos, mas metaforicamente. E...antes de se usar este argumento, eu acharia bem que se pensasse: o que eu quero é elogiar os programas antigos ou insultar os novos? É que as duas coisas são diferentes e uma coisa não exige a outra...

Mas posto isto, pensemos um pouco naquilo que as crianças de agora podem ver na televisão. Muita coisa, certamente, tal como nos anos 90 (nos 60-70 imagino que não porque havia um tempo em que só havia um canal). Mas, por exemplo, as crianças de agora puderam/podem ver...Phineas e Ferb! E havia algum Phineas e Ferb antigamente? Não! Phineas e Ferb é um programa único, um como não há! Já chamei genial a esse programa, e repito. São muito poucos os programas para crianças com o humor de qualidade que tem Phineas e Ferb. Este programa põe adultos a rir alto e com gosto. Incluindo eu, pois. Eu chegava a dar uma olhada aos episódios dos meios-irmãos quando tinha tempo livre - esse é o nível de qualidade que ele tem! Um adulto de barba rija era por vezes capaz de preferir o fantástico humor nonsense de Phineas e Ferb a qualquer outro programa para se divertir um pouco! Pois é; o último programa que me lembro de ter um humor nonsense tão bom, que me lembre de dezenas piadas depois de anos era Dave, o Bárbaro. E, ainda assim, acho Phineas e Ferb melhor. Dave, o Bárbaro tinha um humor fantástico, mas os seus enredos não tinham a força e criatividade de programas como Recreio, House of Mouse e, claro, o do cabeça de triângulo. E, contudo, diz-se que as crianças agora não veem nada de jeito. Bom, se as piadas de Phineas e Ferb não têm jeito, não sei quais têm.


Não são demasiado novos para falar como velhos do Restelo?

Mas nem é preciso ficar pela minha opinião; há um desenho animado que não acompanhei propriamente, embora tenha visto algumas partes de uns episódios e tenha achado bem interessante. Refiro-me a Code Lyoko. Para quem não conhece - porque imagino que muita gente que teça esta crítica à atual programação matinal para crianças não conheça muitos dos programas favoritos destas, inclusive no sentido de nunca se ter sentado a vê-los - é um programa de origem francesa que começou por passar em Portugal com vozes inglesas e legendas em português. Ao que parece, Code Lyoko foi emitido duas vezes no século XXI, primeiro em 2007 e depois em 2010. O interessante é que já ouvi crianças/jovens a dizer que este desenho animado teve tanta aprovação pelo petizes portugueses que levou a que se fizesse uma dobragem portuguesa para a nova emissão.  A ser verdade, isso já diz qualquer coisa sobre o quanto Code Lyoko marcou a juventude de agora (seja lá o que isso for). O meu primo, pelo menos, adora-o, e ele por pequeno que seja, tem mais experiência em perceber que desenhos animados agradam a si e às crianças dos seus círculos. Além disso, não são todos os programas infantis que têm cenas em 2D mais ou menos intercaladas com cenas em 3D.


Code Lyoko nunca estará parado / Code Lyoko, quando lhe chamam falhado
Code Lyoko, lutamos até não sobrar nada / Code Lyoko, da crítica mal informada!

Mas suponhamos que as pessoas que dizem que as crianças de agora não veem nada de jeito até nem gostam de programas com humor nonsense como o de Phineas e Ferb ou de divertidas batalhas épicas como as de Code Lyoko. Talvez gostem de desenhos animados que apostem tudo na simplicidade e/ou na simpatia. Muito bem, então; em tempos, para simplicidade com simpatia, existiam os Teletubbies ou os Tweenies (estes últimos não tão simples, mas pronto). Porque não ter em conta que as crianças de agora podem/puderam ver Lunar Jim? Pois é; o astronauta em questão permite a muitos ver um desenho animado que conjuga a simpatia notável das suas imagens à la Bob, o Construtor com a simplicidade das "aventuras" que mostra. Porque...o que é que fazia o Jim e os seus amigos? Lutavam até à morte contra vilões, como faziam As Navegantes da Lua? Enfrentavam problemas de elevada complexidade típicos de programas com máquinas, como faziam os Ciber-Heróis? Não! Eles simplesmente iam explorando o espaço exterior, o que dava ao programa uma natureza parcialmente contemplativa (do género: vejam, meninos, olhem que coisa gira que eles encontraram neste planeta!), e iam resolvendo problemas de forma relativamente simples. Não era o tipo de programa que fizesse as crianças pensar demais, retirando o relaxamento da equação; era mais de deixá-las ver o que se passava, achar bonito e transmitir alegria.


Para o infinito e mais...oh, desculpem, programa errado!

Ou será que humor, batalhas e contemplação não chegam? Será que as crianças não têm agora desenhos animados fora da caixa, que desafiem e que até sejam um bocadinho iconoclastas? Se alguém acha que não têm, digo-vos 2 nomes. Primeiro: As Aventuras Assustadoras de Billy e Mandy! Segundo: Regular Show! É difícil combater este nomes, hem? ;)


Aquele momento em que uma humana 
mete mais medo que a Dona Morte em pessoa...

E que outros programas infantis poderiam ser considerados bons? Bem, tal como os outros que mencionei neste post, ser bom ou não ser bom é relativo. Mas, assim de cabeça, lembro-me de uns quantos...Porto Papel, por exemplo, parte de uma ideia muito curiosa que dá azo a vários episódios interessante. Não Fui Eu, apesar de ser uma série do Disney Channel (rótulo que não agrada a todos), tem momentos de humor bastante bons. Mermaid Melody, mesmo não sendo um anime de eleição para o horário nobre (o que é normal, tendo em conta a sua temática do amor e a parcial nudez das sereias), tem uma das dobragens com melhor trabalho de ator que eu me lembro de ver na vida. Como podem ver os exemplos são vários e, acima de tudo, são variados. Diferentes uns dos outros. Tanto quem gosta mais de Dragon Ball como quem gosta mais de Puzzle Park pode encontrar pelo menos um programa semelhante que as crianças de agora puderam/podem ver. Portanto, voltemos à opinião de que as crianças de agora não veem nada de jeito. Se assim fosse, qual seria a razão para estas não verem nada de jeito? Seria a questão de não existirem programas bons para ver? Bom, tendo em conta tudo o que escrevi na parte 1 deste post, parece que não. Os programas bons para as crianças verem estão aí, existem, portanto não é por aí. Então, qual seria a razão? Será que quem acha que as crianças de agora não veem nada de jeito simplesmente acha que as crianças têm agora pouca escolha no que toca a canais com desenhos animados? Será que acham que o Disney Channel só faz porcaria (já ouvi isso) e por isso não conta e/ou que a SIC, TVI ou RTP já não passam tantos desenhos animados de manhã para um público mais novo?

Sim? Não? Talvez, não sei, até porque não partilho desta linha de pensamento.

Agora que penso nisso, o facto de se colocarem estas perguntas só reflete a falta de argumentos frequente nos comentários a dizer que as crianças não veem nada de jeito...é que raramente defendem a sua opinião (dir-se-ia que estão mais interessados em criticar em público do que em comunicar com quem quer que seja).

Mas adiante; se o raciocínio acima sublinhado for realmente o raciocínio das pessoas que tecem estes comentários, posso dizer que também tenho razões para crer que ele tem muito de questionável...

(continua na parte 2)